Texto de Rodrigo Sawamura
O mercado de cerveja artesanal nos Estados Unidos está em um momento de transição. Depois de mais de duas décadas de forte crescimento, o setor parece ter entrado em uma fase de ajustes. Em 2024, a produção artesanal registrou uma retração, próxima de 4%, segundo dados da Brewers Association. Por conta da queda de volume, o mercado americano está se adaptando e têm se apresentado cada vez mais maduro, mais estratégico e mais desafiador. Apesar da queda no volume, em termos de valor de mercado ele segue expressivo e continua influenciando outras cenas cervejeiras ao redor do mundo.
Dentro desse contexto, o Great American Beer Festival (GABF) — um dos maiores concursos cervejeiros do mundo, o principal dos EUA, funciona como uma vitrine do que move a cultura cervejeira artesanal dos EUA. Mais do que um simples festival, o GABF reflete com precisão o que está acontecendo nos taprooms, bares e brewpubs locais. Este ano o festival e concurso aconteceram no início de Outubro. Analisar o comportamento das categorias que recebem mais inscrições pode ser uma boa maneira de tentar enxergar para onde o mercado está apontando e quais tendências estão ganhando força.
De acordo com as informações divulgadas pelo Brewers Association, as categorias de estilo que receberam maior número de inscrição foram:
O domínio das IPAs — o lúpulo segue no comando
Entre os estilos mais inscritos, continuamos com as IPAs reinando de forma absoluta. As categorias em que o lúpulo é o protagonista — como Juicy/Hazy IPA, West Coast IPA e American IPA — atraem centenas de amostras a cada edição. Essa liderança não é apenas tradição: é um reflexo direto do apetite do público por novidade, intensidade e sabores marcantes. As IPAs continuam sendo o campo de exploração preferido das cervejarias,que usam bases de IPA para apresentação de novas varietais de lúpulos, variações nas técnicas de dry hopping e utilização de outros insumos ou equipamentos que buscam extrair ainda mais aroma e complexidade para as cervejas.
Dentro do mundo das IPAs, pouco a pouco, conseguimos perceber que as versões mais aromáticas e menos amargas — Juicy ou Hazys — vêm ganhando força entre públicos mais jovens. É uma mudança de perfil: o foco deixa de ser apenas a intensidade e passa a valorizar a experiência sensorial.
O retorno das lagers — leveza, ocasião e equilíbrio
Enquanto uma parte do público busca intensidade, outra segue o caminho oposto. O ressurgimento das lagers é talvez o fenômeno mais revelador dos últimos anos. Estilos como German Pils, Helles, Märzen e Mexican Lager tiveram grande presença no GABF, indicando uma valorização de cervejas mais limpas, equilibradas e fáceis de beber.
Essa tendência coincide com o que temos de informação a respeito de tendências de consumo de cerveja mundo afora. Em tempos de orçamentos mais apertados e rotinas mais aceleradas, cresce o interesse por cervejas de moderação, que unem sabor, leveza e preço justo. As lagers têm sido uma grande tendência do mundo artesanal — uma porta de entrada para novos bebedores e uma escolha quase que automática para quem quer repetir a dose sem exagero. Cervejas de corpo leve e perfil refrescante e menos alcoólicas, vêm ocupando mais espaço tanto nos taprooms quanto nas gôndolas dos supermercados, sinalizando um desejo de simplicidade e um consumo “mais consciente”.
Frescor, fruta e sazonalidade
Outro pilar que apresenta um sinal de crescimento vem das cervejas que flertam com o frescor e adicionam frutas em suas receitas— como as Fresh Hop, produzidas com lúpulo recém-colhido, e as Fruited Sour, que exploram ingredientes naturais e trazem sabores vibrantes. Essas categorias representam um público que busca autenticidade, experiência e que estão abertos às novidades.
Além disso, estes estilos permitem rotatividade e sazonalidade. Eles ajudam as cervejarias a renovar o portfólio, criar novas oportunidades de consumo e manter a curiosidade do público sempre ativa. São produtos que se conectam com o bebedor que quer viver o momento — provar algo novo, diferente, inusitado.
Entre o sabor e a leveza — o novo equilíbrio
Esse exercício de analisar as inscrições do GABF, nos traz uma resposta bastante direta: o futuro da cerveja artesanal americana está cada vez mais direcionada para o equilíbrio entre sabor e acessibilidade. As IPAs seguem como motor de inovação e estilo mais popular, mas as lagers ganham terreno como base de sustentação e, principalmente, como porta de entrada para novos consumidores de cervejas artesanais. Entre estas duas fortes tendencias, não podemos deixar de lado os estilos frutados, sours e sazonais, que cumprem o papel de manter o brilho, o encantamento e a busca por novidades.
O mercado norte-americano amadureceu — e o consumidor também. O consumidor de cerveja artesanal de hoje é mais plural: quer uma IPA aromática num sábado à tarde, mas não abre mão de uma Pilsner leve depois do treino ou do trabalho, ou ainda, de uma sour para provocar os sentidos. Essa flexibilidade de preferências é o novo normal da cerveja artesanal.
E como costuma acontecer, o que se consolida nos Estados Unidos geralmente vira tendência em outros países. É bem provável que essas tendências de equilíbrio, leveza e experimentação logo comecem a influenciar também mercados emergentes — como o brasileiro — onde a cultura artesanal ainda está em expansão e cada vez mais atenta aos movimentos globais.